October 2, 2025

Automação industrial elétrica: segurança e economia em instalações

A automação industrial elétrica integra controle, proteção e supervisão de processos com a infraestrutura elétrica, exigindo projeto e execução alinhados às demandas de segurança, disponibilidade e conformidade normativa. Neste manual técnico são abordados fundamentos, normas aplicáveis, tipos de instalação, componentes elétricos e de controle, esquemas de proteção, procedimentos de medição e ensaios, manutenção preditiva e preventiva, e diretrizes de modernização — tudo com ênfase em segurança elétrica e conformidade com NBR 5410, NBR 14039 e NR-10, além de práticas exigidas por CREA e ART para responsabilização técnica.

Fundamentos técnicos e requisitos normativos

A automação industrial elétrica requer entendimento integrado de distribuição de energia, qualidade de energia, proteção e controle lógico. Projetos devem contemplar estudo de demanda, estudos de curto-circuito, coordenação de proteção e análise de continuidade, sempre registrando a ART e respeitando atribuições do CREA. Os principais requisitos normativos aplicáveis são:

Normas brasileiras e sua aplicação

NBR 5410 — aplica-se a instalações elétricas de baixa tensão (até 1000 V CA e 1500 V CC), definindo requisitos de proteção contra choques elétricos, dimensionamento de condutores, esquemas de aterramento e equipotencialização, identificação, verificação e manutenção. NBR 14039 — cobre instalações de média tensão (tipicamente 1 kV até 36,2 kV) internas a edificações ou plantas industriais, incluindo seccionamento e proteção. NR-10 — estabelece diretrizes de segurança do trabalho com eletricidade, exigindo análise de risco, procedimentos de trabalho, EPI/EPC, capacitação e autorização de pessoal. Complementam-se normas de qualidade de energia e proteção contra surtos (ex.: NBR IEC 61643-11 para DPS).

Segurança elétrica como princípio de projeto

Proteção de pessoas e bens é critério primordial. A automação industrial elétrica deve garantir:

  • Desconexão automática eficaz em caso de falha elétrica (protegendo contra contato indireto).
  • Equipotencialização de massas e construção de malha de aterramento adequada.
  • Proteção contra sobretensões transitórias por DPS e proteção contra correntes residuais por DR adequados ao tipo de carga (em especial rigs com VFD).
  • Mitigação de riscos associados a arco elétrico, com análise de arco e rotinas de trabalho conforme NR-10.

Tipos de instalação e topologias elétricas

A escolha da topologia elétrica influencia seleção de equipamentos e estratégias de proteção. Abaixo, topologias frequentes em plantas industriais com automação:

Sistemas de distribuição: TN, TT e IT

Seleção entre sistemas TN, TT e IT determina requisitos de proteção e dimensionamento de condutores. Em instalações industriais:

  • TN: condutor neutro aterrado na fonte — facilita proteção por sobrecorrente e seletividade; comum em plantas com transformadores de distribuição.
  • TT: neutro aterrado na fonte, massas com aterramento local — requer DR e dispositivo de proteção contra falta à terra; usado onde o aterramento da concessionária não é confiável.
  • IT: neutro isolado ou através de alta impedância — aumenta continuidade de serviço, indicado para processos críticos; exige monitoramento de isolamento (IMS).

Projeto deve justificar a topologia e demonstrar conformidade com NBR 5410 e NBR 14039 conforme faixa de tensão.

Quadros e centros de controle

Os elementos centrais da distribuição em automação são o quadro de distribuição (QD), o Centro de Controle de Motores (CCM ou MCC) e quadros de comando PLC/SCADA. Especificações mínimas:

  • IP e IK adequados ao ambiente (corredores limpos, áreas industriais agressivas, ambiente ATEX se aplicável).
  • Ventilação, dissipação térmica e proteção contra sobretemperatura.
  • Seccionadores e bloco de medição para facilitar manutenção e isolamento.

Componentes críticos e critérios de seleção

Seleção correta de componentes reduz riscos e aumenta disponibilidade. A seguir, parâmetros imprescindíveis para cada família de dispositivos.

Dispositivos de proteção e coordenação

Proteções instalação residencial elétrica primárias incluem fusíveis, disjuntores termomagnéticos ( MCCB/MCBs) e disjuntores de alta capacidade ( ACB) com curvas de disparo definidas (B/C/D) para coordenação com motores e cargas capacitivas. Critérios:

  • Dimensionamento de corrente de projeto ( Ib) e capacidade de condução contínua ( Iz) com correções por temperatura, agrupamento e isolação.
  • Seleção de curva e ajuste de disparo que permita partida de motores sem desarme indevido, preservando seletividade.
  • Coordenação temporal e magnética entre proteções até o nível desejado de seletividade.
  • Proteção diferencial para transformadores e geradores quando aplicável.

Proteção contra fugas e surtos

DR são exigidos quando a desconexão automática do serviço é a medida de proteção contra contato indireto. Para circuitos sensíveis ou que utilizam conversores de frequência, usar DR compatíveis (tipo B quando houver componentes DC). DPS devem ser instalados em níveis (entrada de subestação, quadros de distribuição principais e terminais) seguindo classes/tipos conforme NBR IEC 61643-11 para garantir coordenação e capacidade de descarga.

Conversores, soft-starters e controle de motores

VFDs e soft-starters são centrais na automação de máquinas e processos; exigem cuidados:

  • Filtro de entrada e saída para reduzir harmônicas e surtos, conforme análise de qualidade de energia.
  • Medição e correção de fator de potência com bancos de capacitores controlados; evitar ressonância harmonica com projeto de detuning e filtros passivos/ativos.
  • Proteção contra sobretensão DC e circulação de correntes de fuga que podem afetar DR.

Instrumentação, PLC e redes industriais

Automação depende de comunicação robusta: Profibus, Profinet, Modbus (RTU/TCP), Ethernet/IP e redes determinísticas. Requisitos elétricos:

  • Segregação de cabos de potência e sinal; uso de pares trançados e blindagem adequada.
  • Alimentação redundante para controladores críticos e supervisórios com UPS e banco de baterias dimensionados com testes periódicos.
  • Proteção contra transientes e aterramento de blindagens em pontos definidos para evitar loops de terra.

Dimensionamento elétrico e procedimentos de cálculos

Dimensionamento correto exige cálculos formais: corrente de projeto, queda de tensão, seleção de condutores e eletrodutos, cálculo de curto-circuito e coordenação de proteção.

Corrente de projeto, capacidade de condução e queda de tensão

Determinar Ib (corrente de projeto) e selecionar condutores com Iz ≥ Ib após aplicação de fatores de correção por temperatura ambiente, agrupamento, tipo de isolação e método de instalação (NBR 5410). Verificar queda de tensão máxima admissível para alimentação de motores e cargas sensíveis (tipicamente ≤4% para ramais alimentadores e ≤3% para circuitos terminais), e corrigir bitola quando necessário.

Cálculo de curto-circuito e seletividade

Realizar cálculo de curto-circuito simétrico na barra de alta/média/baixa tensão para verificar capacidade de ruptura dos dispositivos de proteção (Icu, Ics) e tempo até interrupção. Em seguida, realizar estudo de coordenação e seletividade, prevendo curvas-tempo das proteções e ajustes de relés térmicos/magnéticos. Para sistemas com motores, incluir correntes de partida e inrush.

Dimensionamento de aterramento e equipotencialização

Projeto de aterramento deve considerar corrente de falta (valor e duração), resistividade do solo (medida por ensaios de SPT ou Wenner), e dispersores horizontais e verticais. Objetivos de projeto:

  • Garantir retorno de corrente de falta com potencial de passo e toque controlado.
  • Assegurar equipotencialização local e interligação das massas dos quadros, carcaças de máquinas e blindagens.
  • Especificar materiais (barras de cobre, cabos nu/isolados) e dimensionamento conforme NBR 5410 e NBR 14039.

Valores alvo típicos: resistência de aterramento baixa suficiente para garantir atuação rápida das proteções; em muitos projetos industriais adota-se referência R ≤ 10 Ω como meta prática, observando que análise de corrente de falta pode exigir valores menores.

Segurança operacional, procedimentos de trabalho e NR-10

Operação e manutenção de sistemas automatizados envolvem riscos elétricos e mecânicos. A conformidade com NR-10 exige medidas documentadas e treinamento.

Análise de risco e medidas administrativas

Realizar análise preliminar de risco (APR) e registrar procedimentos de trabalho, permitindo identificar atividades com necessidade de bloqueio e etiqueta (lockout-tagout), autorização para trabalho e supervisão. Implementar plano de capacitação conforme NR-10, com certificação periódica e registros de treinamentos e provas.

Proteção contra arco elétrico

Executar estudo de arco elétrico para identificar limites de energia incidentes e definir EPI, sistemas de mitigação (câmaras coletoras, relés de detecção rápida, seccionadores) e rotinas de intervenção. Sinalizar áreas com rótulos de risco e limites de arc flash.

Bloqueio/etiquetagem e permissão de trabalho

Procedimentos de lockout-tagout são mandatórios para intervenções. Definir responsabilidades, sequência de desligamento, verificação de ausência de tensão (uso de multímetros calibrados e verificados), liberação e reenergização. Documentar em ordens de serviço e manter registro assinado.

Ensaios, comissionamento e documentação

Comissionamento estruturado garante conformidade e segurança operacional da automação industrial elétrica.

Testes pré-comissionamento e FAT/SAT

Executar FAT (Factory Acceptance Test) e SAT (Site Acceptance Test) com protocolos padronizados. Ensaios típicos:

  • Verificação de continuidade de condutores, polaridade e aterramento.
  • Ensaios de resistência de isolamento (megômetro) em 500/1000 V conforme o tipo de cabo e equipamento.
  • Medidas de impedância de loop e verificação de tempo de atuação de proteções.
  • Testes funcionais de PLC, intertravamentos de segurança e lógica de parada de emergência.
  • Teste de DPS e verificação de coordenação.

Ensaios periódicos e rotinas de manutenção

Estabelecer plano de manutenção com periodicidade baseada em criticidade: inspeção visual mensal, limpeza e reaperto de conexões semestrais, termografia anual (ou trimestral em pontos críticos), teste de relés e baterias anualmente, ensaios de isolamento e loop conforme programa. Registrar resultados e gargalos identificados para ações corretivas.

Aspectos de qualidade de energia e impacto na automação

Qualidade da energia afeta desempenho dos controladores, sensores e atuadores. Projetos devem contemplar mitigação de harmônicos, flutuações de tensão e surtos.

Harmônicos e correção do fator de potência

Conversores de frequência e fontes chaveadas geram harmônicos que aumentam perdas e podem causar aquecimento em transformadores. Recomendações:

  • Realizar levantamento de harmônicos (THD) e aplicar filtros passivos/detuned ou filtros ativos quando necessário.
  • Dimensionar bancos de capacitores com controladores automáticos e incluir reatores de detuning para evitar ressonância.
  • Monitorar fator de potência e atender exigências da concessionária; incluir estudo de impacto e contratos de fornecimento quando aplicável.

UPS, redundância e continuidade

Proteção de sistemas de controle e supervisão exige UPS com autonomia calculada e testes de autonomia rotineiros. Para processos críticos, avaliar redundância N+1 em transformadores, alimentações e controladores (hot-standby PLCs) para reduzir risco de parada.

Modernização e retrofit de instalações

Atualizar parque elétrico e automação aumenta eficiência e reduz riscos. Modernização deve ser tratada como projeto de engenharia com gerenciamento de riscos e compatibilização entre o legado e novas tecnologias.

Diagnóstico pré-projeto e plano de migração

Antes do retrofit realizar inventário elétrico e análise de falhas, compatibilidade eletromagnética e estudos de curto-circuito. Priorizar intervenções que retirem pontos de maior risco (cabos envelhecidos, conexões oxidadas, quadros sem proteção DR/DPS).

Integração entre controles antigos e novos

Ao integrar PLCs novos, considerar camadas de rede, gateways de protocolo e isolamento entre laços críticos e não críticos. Implementar testes em bancada e manter plano de rollback para operação segura durante migração.

Manutenção avançada e técnicas preditivas

Manutenção preditiva amplia segurança e disponibilidade. Principais técnicas aplicáveis:

Termografia e análise de termografia

Inspeções térmicas sob carga detectam resistências de contato elevadas, sobrecargas e desequilíbrios. Planificar inspeções anuais com registros e limites de ação; conexões com incremento térmico >20–30 °C devem ser corrigidas.

Vibração, análise de óleo e monitoramento online

Em equipamentos rotativos, análise de vibração e óleo (quando aplicável) complementam diagnóstico elétrico, indicando problemas mecânicos que se refletem em consumo elétrico e falhas prematuras.

Monitoramento contínuo e manutenção preditiva

Implementar medição contínua de parâmetros elétricos (corrente, tensão, potência, THD) com alarmes e histórico para diagnósticos; usar dados para otimizar horários de manutenção e detectar anomalias antes que se tornem falhas.

Documentação técnica, responsabilidades e conformidade

Documentação completa é requisito legal e operacional. Projeto, execução e manutenção devem estar cobertos por documentação assinada e assinalada em ART.

Desenhos, esquemas e manuais

Fornecer desenho unifilar atualizado, diagramas elétricos (principal e de comando), listas de materiais, diagramas de bornes, indicadores de rede e planilhas de configuração de relés. Incluir plano de aterramento e mapas de curto-circuito com resultados dos ensaios.

Registro de responsabilidades e ART

Todos os projetos e intervenções elétricas devem ter ART emitida pelo responsável técnico registrado no CREA, com escopo claro (projeto, execução, estabelecimento de medidas de segurança) e documentação arquivada para auditoria e fiscalizações.

Resumo técnico e recomendações de implementação

Resumo técnico: a automação industrial elétrica exige projeto integrado que considere proteção elétrica, qualidade de energia, topologia de aterramento, coordenação de proteção e conformidade com NBR 5410, NBR 14039 e NR-10. Priorizar proteção de pessoas por meio de DR, proteção contra sobretensões com DPS, dimensionamento correto de cabos e dispositivos, e estudos de curto-circuito e seletividade. Implementar sistemas de monitoramento e manutenção preditiva, e registrar responsabilidades por meio de ART e conformidade com o CREA.

Recomendações práticas para implementação:

  • Contratar equipe de projeto e comissionamento com experiência em instalações industriais e emitir ART para todos os serviços de engenharia.
  • Definir topologia de aterramento e realizar estudo de resistividade do solo; projetar dispersores e malhas de aterramento com análise de passo e toque.
  • Dimensionar condutores com base em Ib, Iz e fatores de correção previstos na NBR 5410, garantindo queda de tensão admissível.
  • Realizar estudo de curto-circuito e coordenar proteções até o nível desejado de seletividade; documentar curvas e ajustes de relés.
  • Instalar DR e DPS conforme criticidade e compatibilidade com dispositivos eletrônicos (usar DR tipo B quando necessário) e proteger painéis de controle e redes com filtros e UPS.
  • Planejar manutenção preventiva e preditiva (termografia, ensaios de isolamento, testes de relés e baterias) e criar cronograma de inspeções com registros eletrônicos.
  • Documentar todos os testes FAT/SAT e manter registros de comissionamento, incluindo procedimentos de segurança e aprovação de operação por técnico responsável.
  • Fazer análise de qualidade de energia e implementar mitigação de harmônicos quando THD exceder limites práticos; dimensionar bancos de capacitores com cautela e usar detuning ou filtros ativos quando necessário.
  • Implementar programas de treinamento e autorização de pessoal conforme NR-10, incluindo procedimentos de lockout-tagout, verificação de ausência de tensão e planos de emergência.
  • Priorizar modernização por fases, garantindo testes em bancada e planos de rollback, com registros de alteração de redes e políticas de backup de programas de CLP/SCADA.

Seguindo essas diretrizes, a automação industrial elétrica será projetada e executada de forma segura, conforme normas brasileiras aplicáveis, com documentação e responsabilidade técnica que reduzem riscos e aumentam a disponibilidade do processo industrial.


Investigadora de educação com foco em impacto real na vida das pessoas.